quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

VALE A PENA RELEMBRAR, LER E CONHECER; POIS A TÁTICA DOS ADVERSÁRIOS DA RELIGIOSIDADE É SEMPRE A MESMA !!!

REVISTA DE CULTURA E HUMANIDADES Revista Pittacos ΠΙΤΤΑΚΟΣ ARQUIVOS RSS Onde está a Ética? In Cultura on 30/11/2011 at 12:44 Michelle Gonçalves Rodrigues No início dos anos 50 uma grande polêmica assolou o meio sócio-antropológico. A divulgação de fotos de rituais de iniciação do candomblé baiano por duas revistas de grande circulação na época, Paris Match e O Cruzeiro, trouxe para o grande público imagens que revelam um pouco do segredo desses rituais. Em breves linhas, as reportagens feitas pelo cineasta Henri-Georges Clouzot, para a revista francesa Paris Match, e pelos parceiros José Medeiros e Arlindo Silva, para a revista O Cruzeiro, demonstravam um apelo sensacionalista na divulgação das fotos e a ausência de conhecimento sobre o assunto, expresso nos textos das reportagens, passando pelos títulos “As possuídas da Bahia” e “As noivas dos deuses sanguinários”, respectivamente. Na época vários intelectuais reagiram contra a reportagem de Clouzot, como Edison Carneiro, Pierre Verger e em especial Roger Bastide. Variados argumentos foram utilizados para rechaçar o olhar do cineasta francês, entretanto poucos se pronunciaram sobre a reportagem da revista O Cruzeiro, impressa quatro meses após “o furo de reportagem” da Paris Match, inclusive o próprio Bastide que poucos anos antes havia publicado seu livro “Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto” pela empresa gráfica O Cruzeiro. As fotografias trazem imagens fortes sobre a imolação de animais, transes, raspagem de cabeça e cortes, claro que regados a muito sangue. Tudo isso em plena década de 50! Embora pouco tenha se dito sobre a matéria de José Medeiros e Arlindo Silva, no meio religioso do candomblé a repercussão foi enorme, culminando na possível expulsão da mãe-de-santo da Bahia. Em exatos sessenta anos após a divulgação dessas fotos é realizada, no 35º Encontro Anual da ANPOCS, uma exposição com essas mesmas fotografias de autoria de José Medeiros. Me surpreendi quando as vi em um espaço de destaque em um dos corredores do Hotel Glória. Poucas semanas antes essa história havia sido relembrada por um dos candomblecistas que acompanho em campo no estado de Pernambuco. Silenciosamente comecei e me perguntar o que “eles” achariam dessa exposição. Creio que não iriam gostar muito. No encontro mencionado acima foi realizada uma sessão especial intitulada “J. Medeiros e o Candomblé”. Ainda sob o efeito da surpresa de ver aquelas fotografias, que fizeram parte de uma grande polêmica no meio acadêmico das Ciências Sociais e que agora estavam ali em destaque, fui instigada a ouvir o que sobre elas poderia ser dito. “Documento, ética e estética”, foi o que Lilia Schwarcz disse em sua pequena fala como uma das coordenadoras da sessão, dizendo ainda que a fotografia é um tipo de produção e argumento. Um dos expositores abre sua narrativa dizendo que “as fotos falam mais que a briga”, elas expõem aos olhos um dos segredos do candomblé. Realmente elas trazem a esfera do segredo para o grande público, porém, mais ainda, elas trazem um questionamento sobre o que será feito desse segredo. A preocupação nos anos 50 não se referia apenas a essa “descoberta”, como se essas imagens fossem impensadas ou não conhecidas pelos intelectuais que se debruçavam ao estudo dessa religião, longe disso. É conhecido o arquivo fotográfico de Pierre Verger, por exemplo, que na época se negou, como fotógrafo da revista O Cruzeiro, a disponibilizar seu material para a publicação da reportagem. O que de fato incomodou o meio acadêmico foi a perspectiva da reação do grande público ao ver aquelas fotografias, que a meu ver, tal preocupação continua pertinente nos dias de hoje. Já se aproximando a esse questionamento, outro expositor deixa uma pergunta em sua fala, qual será a reação do povo de terreiro sobre a nova onda de fotos republicadas? O curioso é que ele mesmo dá uma resposta a partir de um pedido feito a ele em seu campo na cidade de São Paulo. Se me lembro bem, o sociólogo se referiu a um sobrinho da mãe-de-santo baiana que se deixou fotografar por José Medeiros. O sobrinho, residente em São Paulo, pede ao pesquisador para ter cuidados com as fotografias tiradas em seu terreiro para que não aconteça o mesmo que aconteceu a sua tia. A preocupação do sobrinho refere-se ao que pode lhe acontecer quanto a críticas em seu meio religioso. O sociólogo segue argumentando que nos dias atuais há uma briga geracional no candomblé, os mais novos questionando os mais velhos e tendo como motivo o conhecimento dos trabalhos sócio-antropológicos sobre sua própria religião. Concordo que há uma briga geracional, mas colocá-la como o resultado de conhecimento dos trabalhos acadêmicos acredito ser um certo exagero. Não que tais trabalhos não sejam conhecidos, muito pelo contrário. Cada vez mais o interesse sobre o que é escrito sobre “eles” aumenta. Entretanto esse conhecimento além de dar subsídios para críticas aos mais velhos, dá, principalmente, a possibilidade de crítica a esses mesmos trabalhos. O que frequentemente acontece em minha experiência de campo. Era tempo que o povo de terreiro poderia ser visto a partir de um olhar inocente do pesquisador, por ironia muitos deles estão nas universidades brasileiras. Em Recife há uma crescente motivação para que os jovens avancem em seus estudos. O questionamento, embasado nos trabalhos sócio-antropológicos, muitas vezes se refere ao poder do pesquisador ao falar de uma religião alheia. Em meio à exposição surge um questionamento na platéia, será que essa briga em torno das fotografias das revistas Paris Match e O Cruzeiro realmente importa frente à intolerância religiosa nos dias atuais? De tudo ali falado isso me pareceu uma preocupação digna das Ciências Sociais. Nessa perspectiva, o que a republicação dessas fotografias pode trazer e influenciar no processo de intolerância religiosa? Como fica a questão da ética do pesquisador em casos que fotografias desse tipo são divulgadas? “Documento, ética e estética” compõem a fotografia, como disse Lilia Schwarcz. Mas de que documento, de que ética e de que estética estamos falando? Comecemos pela última. A estética dessas fotografias é realmente bela em detalhes para quem as observa, ao mesmo tempo que gera um estado de uma curiosa repugnância que não deixa retirar os olhos de imagens, digamos, “pitorescas”. A estética que procuramos nessas fotografias diverge da subjetividade dos espíritos ali fotografados, para “eles” é um momento da confirmação de suas verdades religiosas. Tocamos o ponto do documento, documento etnográfico, bom para ser pensado, versus documento da experiência, bom para ser vivido. E aqui, a ética tem um lugar especial no “que fazer” das fotografias como documentos etnográficos. Em muitos casos, tais documentos podem se tornar um instrumento de acusação que foge aos domínios dos trabalhos acadêmicos. Em resposta à questão da intolerância religiosa, um dos expositores diz que a “intolerância religiosa não é bem uma intolerância religiosa, mas um debate” entre as religiões. Ora, um agir comunicativo habermasiano perfeito! O problema é que esse debate pode utilizar os documentos etnográficos como um instrumento de acusação. Entretanto, “deixa eles brigarem, né, que não é uma questão nossa”! N/A: Para uma maior descrição sobre a polêmica entre as revistas e a transcrição dos posicionamentos de intelectuais na época há o livro de Fernando Tacca, “Imagens do Sagrado – entre Paris Match e O Cruzeiro”. São Paulo: Editora da Unicamp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 2009. http://revistapittacos.org/2011/11/30/intolerancia-religiosa-onde-esta-a-etica

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